Entrevista com
o Professor Luiz Felipe de Alencastro.[1]
Passages de Paris -
Professsor Alencastro, gostaríamos de saber um pouco sobre
sua trajetória intelectual, sua vinda para a França,
qual o seu percurso, quais os obstáculos que encontrou, no
contexto em que estava inserido no final dos anos sessenta.
Professor
Alencastro - Bom,
nem sei se isso serve muito como exemplo, porque é um caso
meio à parte: estava na Universidade de Brasília,
quando houve o golpe e fui ajudado... o De Gaulle esteve lá,
em 65 e fui ajudado por gente que tinha ocupado postos importantes no
governo do Jango. Ninguém sabia que a ditadura iria durar
tanto tempo; quando começou em 64, todo mundo achava que o
Juscelino iria ser candidato no ano seguinte, ganharia a
eleição e todo mundo voltaria dois anos depois; acho
que até o Jango pensava isso. Em todo caso, os franceses
deviam pensar isso também, porque trataram muito bem o Hermes
Lima, o Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva; essas três
pessoas, que eram ministros do Supremo e ainda estavam em atividade -
mas tinham sido ministros do governo Jango – conseguiram para
mim uma bolsa que raríssimas vezes é concedida no
Brasil: uma bolsa francesa para fazer graduação aqui,
porque eu não podia continuar lá. E vim para cá.
Cheguei em Paris e fui recebido pelo pessoal do Jango, que também
tinha se exilado, fui para a casa de Raul Ryff, que era secretário
de imprensa do Jango. Eu podia ficar aqui ou ir para outro Instituto
de Estudos Políticos, em Bordeaux, Grenoble ou Aix.
Disseram-me que em Aix havia a melhor faculdade de História -
porque eu queria fazer história também. Então
fui para lá e fiquei durante 4 anos, estudando história
e ciência política.
PP - Qual era
sua implicação no movimento, para que você
tivesse tido esse relevo?
PA - Bom, primeiro havia
muito poucos estudantes na Universidade de Brasília, que
estava começando, o ano em que prestei vestibular foi 64. Pela
primeira vez os novos alunos eram mais numerosos do que os que já
estavam, porque antes só tinha havido um ano, ou dois, não
sei mais... Eu era primeiro secretário da federação
de estudantes, então estava envolvido lá na estação
estudantil e conheci estas pessoas assim, o Brasil era muito pequeno,
nessa época.
PP -
Quais foram os obstáculos? Durante uma palestra,
você contou como Celso Furtado havia ajudado os estudantes e
quais seriam suas palavras para aqueles que chegavam na França.
Fale um pouco do seu exemplo, que dificuldades teve, se teve
alguma para levar adiante seus estudos, a questão da língua...
PA - Era uma situação
diferente, as pessoas precisavam ser ajudadas, havia gente que
chegava aqui saindo da cadeia, outros que não tinham
passaporte, então não é possível
comparar. Existia uma rede então, com muito mais abertura,
muito mais simpatia; ninguém vinha para cá porque
estava querendo se dar bem ou achando que ia ganhar mais dinheiro
quando chegasse no Brasil, ou procurando um “bico”. Todo
mundo vinha para cá porque havia uma ditadura que estava
torturando e matando, enfim, era o caso da maioria das pessoas e
estas tinham uma espécie de circuito próprio. Vinha
também um outro tipo de gente, mas esses não estavam a
fim de estudar ou estar em faculdade, era gente que estava também
escapando do sufoco do Brasil, mas para passar um tempo longe
daquilo. Então o Celso Furtado, justamente, sempre foi
acolhedor. As pessoas chegavam aqui no aeroporto, alguns não
tinham nenhum nome no bolso, a polícia francesa perguntava:
Mas você vem fazer o quê aqui? Você tem um visto
turístico? Vai para onde? E diziam: vou estudar com Celso
Furtado. Era o que eles tinham na cachola, aí telefonavam para
o Celso Furtado e o Celso Furtado dizia que sim, sem conhecer a
pessoa, porque já sabia que esta viria, ou porque alguém
tinha dito, era um mot de passe. Era uma situação
muito particular, em que você podia ver as pessoas, era mais
acessível, podia pedir um encontro com os grandes professores,
era uma situação diferente da de hoje. Acho que havia
seminários de estudo paralelamente aos da universidade. O
próprio governo francês contava com mais simpatia da
direita ou da esquerda, até o Pompidou era uma coisa muito
mais à direita. Mas o de Gaulle não. Tive bolsa da
França durante três anos e mais três para fazer o
doutorado, ao todo seis anos de bolsa francesa.
PP - Quer dizer,
você chegou aqui e entrou na faculdade em sessenta e...?
PA - Seis.
PP - Você
chegou e entrou em sessenta e seis?
PA - Sim, tinha feito
vestibular em Brasília em sessenta e quatro.
PP - Quer dizer,
você estava no segundo ano da faculdade.
PA - Sim, mas também
não estava nada, porque fazia aquela confusão, vivia me
escondendo da polícia, algumas vezes me levavam para
interrogar...
PP - Você
chegou a ser preso?
PA - Enfim, era uma época
em que não éramos torturados, eu nunca fui torturado.
Estava havendo tortura naquela época em Pernambuco, um militar
cujo nome esqueci, um coronel...Tinha um bandido lá que estava
torturando as pessoas. Em sessenta e quatro, sessenta e cinco, quem
fugiu, fugiu... Gregório Bezerra, claro, essas lideranças
mais complicadas. Mas estudante não, isso foi depois ...
PP - Você
chegou aqui em sessenta e seis e recomeçou tudo...
PA - Recomecei tudo. Como
você sabe, em ciência política há o
exame eliminatório já no primeiro ano; foi muito
complicado, porque havia uma dissertação de quatro
horas, um grande exame escrito, um grande exame oral; eu tinha que
fazer uma redação francesa, porque é um exame
que recruta para a administração pública e no
fim do curso você tem uma equivalência de mestrado, pode
passar direto para doutorado, em Science Po. Enfim, trabalhei duro no
começo, mas o ambiente em Aix-en-Provence era muito agradável,
o pessoal era muito fraternal.
PP - Quando começou
o seu interesse pela pesquisa sobre o Brasil e Angola, somente no
doutorado ou já tinha antes um certo interesse pelo tema?
PA - Já tinha feito
uma monografia para Science Po, sobre o Império... cheguei a
conhecer aqui o Caio Prado, que tinha saído da cadeia,
conversei com o Celso, com o Roberto Schwartz, que é um grande
amigo meu, conversava muito, então comecei a fazer o doutorado
sobre o fim do tráfico; depois vi que isso era mais complicado
e fui voltando para trás. O livro O Trato dos Viventes
corresponde na realidade à minha tese de livre docência
na Unicamp. Minha tese de doutorado é mais extensa, vai de
1550 a 1850, o que aliás estou retomando agora.
PP - Queria que nos
falasse da sua preparação, digamos, quase inconsciente
para vir para a França. Você falava francês, ou
não?
PA -
Falava, foi o que me deu chances na seleção, no dossiê
que foi preparado: além da carta de apoio dessas pessoas
importantes, havia o fato de eu poder entrar em aula imediatamente.
Falava, porque aprendi na Aliança Francesa.
PP - No Brasil?
PA - No Brasil.
PP - Motivado pelo quê?
PA - Eu achava que tinha
que aprender, era coisa de família, havia também os
amigos.
Meu pai tinha estudado livros de
medicina em francês porque na sua época era assim...
havia um livro lá em casa.
PP - Um ambiente
familiar que favorecia.
PA -
Isso, isso. Fiz o clássico, também havia esse ambiente,
eram professores bons no colégio lá em Brasília.
PP - Você é
de Brasília?
PA -Não
nasci em Brasília, mas em Santa Catarina; a família
mudou para Brasília no início dos anos sessenta.
PP - Você é
da primeira geração de Brasília.
PA - Sou... Não bem
de Brasília, isso é quem nasceu lá.
PP - Mas enfim,
você acompanhou, não há diferença...
PA- Isso. Havia o Daniel
Aarão Reis, que era meu colega.
PP - Com relação
aos passaportes, era diferente? Hoje, por exemplo, você não
sai do aeroporto do Galeão sem uma carta de séjour, sem
um visto. Como era naquela época?
PA - Naquela época
foi o seguinte: a partir do momento em que tive a bolsa daqui, tudo
entrou nos eixos. Recebi a bolsa lá. Senão, nem teria
viajado. Para mim, a questão era sair de lá, porque a
situação estava ficando feia. Em sessenta e seis, já
estavam cercando meus amigos. Um deles foi morto mais tarde, estava
na chapa comigo, o Paulo deTarso Celestino e o outro, presidente, o
Honestino Guimarães, também foi morto. Quer
dizer, só ali no grupo próximo de mim mataram dois e
houve outros que desapareceram. Quando chegou o momento de renovar o
passaporte, que era válido por dois anos, já me
avisaram para não tentar em Paris, nem em Marselha, porque
seria recusado. Gente que eu conhecia, da embaixada, o Merquior, que
na época era mais próximo, além de outras
pessoas, deram-me esse sinal. Disseram-me também para ir a
Milão, que havia lá um sujeito mais flexível;
peguei uma carona em Aix e fui renovar em Milão, o sujeito
estava me esperando porque eu o avisara e aí renovaram. Mas
isso depois também foi ficando mais difícil, quando
devia renovar em setenta já não consegui. Disseram que
estavam faltando documentos, serviço militar, davam um visto
de 24 horas para eu voltar ao Brasil. A gente até chamava esse
visto de “`vai e fica”. O pessoal me disse “nem
pensar”. Fiquei dois anos sem passaporte e de repente, o
senador Teotônio Vilela, que na época ainda era da
ARENA, o velho Lele, escreveu. De repente, dois anos depois, deram-me
o visto. Mas nessa época, para trabalhar no Quai d’Orsay,
no arquivo, era preciso uma carta do adido cultural brasileiro.
PP - Para fazer
pesquisa no Quai d’Orsay...
PA - No Quai d’Orsay
o estatuto era diferente. Agora mudou. Basta uma carta do diretor de
tese. Na época, isso não era suficiente. Era praxe
diplomática, uma espécie de favor que você fazia,
uma gentileza para com o país, pedir também uma carta
ao adido cultural (que não me deu!)
PP- Mas, por falar em
gente - Graciliano dizia que não ia nomear os maus, só
nomear os bons - queria que voltasse a falar do Merquior. Nessa
época, era uma pessoa muito criticada.
PA - Nessa época
ele via muito as pessoas, via o Roberto Schwartz, o Leandro Konder,
que estava exilado na Alemanha, sempre continuou próximo de
todos esses. Mas convidou-me uma vez em sua casa, estava lá um
adido militar – facistão - no jantar, falando besteiras;
eu disse: não vou mais na sua casa para ver esse tipo de
gente.
PP - Mas ele tinha
atitudes de ajuda...
PA - No começo,
quando chegou; inclusive, como já disse, ninguém achava
que a ditadura fosse durar vinte anos; a situação
entortou a partir de 69. Quando veio o AI-5, também nem
achamos que fosse acabar em 85 e por isso todo mundo foi ficando.
Todos acharam que ia durar mais 30, 40 anos. Que seria como com
Franco e Salazar; o que havia como exemplo do nosso lado é que
o ditador ficava até morrer. No Brasil era pior, porque os
ditadores iam mudando.
PP - E como foi a
volta?
PA - Formei-me aqui, dei
aula . Também fiz um mestrado de etnologia em Nanterre, mas
não cheguei a defender a tese. Havia muita gente simpática.
Comecei a dar aula sem ter doutorado, como chargé de cours,
por causa do diploma de ciência política, que dava um
certo status, mesmo sendo de Aix-en-Provence - o que tem prestígio
mesmo é o de Paris - mas enfim, tinha equivalência
nacional. Dei aula em Vincennes e Rouen como chargé de
cours. Quando nasceu meu filho, em 84, fui aconselhado pelo
pessoal que voltara para Portugal e Espanha e tivera problemas com
filho adolescente : “Se quiser voltar, volte agora!”
Tinha sido convidado já em 81 para voltar. Não voltei,
pois queria ver o governo Mitterrand aqui, a esquerda tinha ganho a
eleição. Disseram-me: “Volte enquanto ele é
pequeno, sua esposa já não é de lá (
minha esposa é Belga e foi criada na França), você
vai ter trabalho para adaptar-se com os dois”; havia até
uma história trágica de um colega nosso, um exilado que
voltou e o filho suicidou-se. Ficamos muito traumatizados, era uma
pessoa muita amiga. Enfim, esse tipo de coisas. Só se viam
problemas dos adolescentes que chegavam lá e o país era
diferente.
PP - Mas, por vontade
própria, você tinha a idéia de voltar para o
Brasil, trabalhar no Brasil?
PA - Tinha, inclusive
porque aqui se esvaziou, o Celso Furtado tinha voltado, o Roberto
Schwartz, a quem eu era muito ligado, voltou, e não havia mais
ambiente. No nosso ambiente seguia-se a política brasileira,
fazia sentido ficar, porque às vezes se estava mais informado
aqui do que o pessoal lá, por causa da ditadura. O próprio
Fernando Henrique veio aqui uma vez, ficou na casa do Celso, passei
um dia inteiro com ele, porque só ia viajar à noite.
Ele estava sozinho, eu tinha vindo procurar o Celso e saímos.
Disse-me para voltar. Então voltei, fui para a Unicamp, o
Cebrap.
PP - Isso foi
quando?
PA - 86.
PP - De 86 a 2000?
PA - Até
1999.
PP - Nesse período,
você continuou estabelecendo contato com professores e
instituições francesas?
PA - Pouco, na realidade
estive nos Estados Unidos, em Harvard duas vezes e também Nova
York, porque no fundo o pessoal aqui não é muito ligado
à questão da escravidão, então comecei a
discutir mais com os americanos. Mas quando fiz a tese de livre
docência, em 94 e precisava parar para transformar a tese em
livro, vim a Paris, porque aqui estava mais à vontade,
conhecia as bibliotecas e precisava do material. Fiquei de dezembro
de 94 a junho de 95, com licença da Unicamp para acabar o
livro. Ainda continuei trabalhando lá.
PP - Então
você veio fazer o pós-doutorado aqui.
PA - Sim, em Paris IV.
PP - E isso foi
importante para restabelecer o contato com as instituições,
não mais no sentido da biblioteca, dos arquivos, mas em termos
de estar mais próximo daqueles que estudavam o tema aqui.
PA -Um pouco, mas não
tinha a intenção de vir para cá. Voltei para lá.
Nesse meio tempo me separei, a minha mulher ficou com meu filho em
Portugal e eu no Brasil. Era totalmente complicado, rapidamente ficou
inviável por causa da desvalorização do Real,
estava nesse vai-e-vem horrível, exaustivo e ruinoso.
Escreveram-me dizendo que havia aqui um posto de professor associado.
No concurso para sucessão da Kátia Mattoso, os
candidatos que se apresentaram foram reprovados. A cátedra que
era dela ficou vazia e precisavam de alguém para dar
aula na rentrée, já em setembro-outubro de 99,
porque havia mestrados para assinar e doutorados; o maître
de conférences dela não podia dar aula nem
orientar, pelo sistema daqui. Então fizeram um pequeno
concurso, para professor associado por um ano. Chamaram outras
pessoas do Brasil que poderiam dar aula aqui, pegaram o “peão
na unha”. Quer dizer, alguém que pudesse chegar já
dando aula, que conhecesse o sistema francês, porque uma pessoa
que nunca tivesse dado aula aqui, mesmo sendo bom professor lá,
ou muito conhecido, causaria problema, era preciso dar aulas de cours
magistral, em anfiteatro, e também seminários. Fui
escolhido dentre os que se apresentaram para esse pequeno concurso.
Porque tinha feito a tese aqui com Fréderic Mauro, que tinha e
ainda tem muito prestígio na Sorbonne e porque o assunto lhes
interessava, o enfoque na história africana e o acesso - que
eles não tem - à África lusófona, e
também pelo fato de saberem que sou praticamente bilíngue.
PP - Por que
você fala de “pequeno concurso”? Foi um concurso...
PA - Foi um concurso, mas
não igual ao concurso para a cátedra. Este é
muito mais severo. Aparece um edital no Diário Oficial,
no mês de março, é preciso ter uma habilitação
do CNU (Conselho Nacional Universitário),
enquanto o professor convidado pode até ser escolhido pela
comissão científica ou pelo conselho científico
da universidade. Não é preciso concurso. Mas você
é pessoa convidada, escolhem um dossiê por um ano,
podendo ser renovado por até três. Escolhe-se alguém
por um ano porque o que faz é interessante, depois vai embora.
Só que, quando cheguei, não sabiam se a cátedra
iria de novo ser posta em concurso, porque no meio o ministério
poderia decidir: já que não houve candidato no nível
para ter a cátedra, esta passa a ser história da
América Latina, que era o que todo mundo queria, porque então
haveria um candidato em cada esquina, todos especialistas em América
hispânica e o Brasil ficava no meio. O Fernando Henrique soube,
pelo embaixador, que a cátedra podia desaparecer e escreveu
para o presidente da Universidade, dizendo que ela tinha sido criada
com intenção política, como símbolo de
amizade entre o Brasil e a França e que contava com o fato de
que que ela continuaria existindo. Não deram um tostão...
Podiam ajudar um pouco, basta dizer que é uma cátedra
inteiramente francesa, não recebo um centavo para comprar
livro nem nada do Brasil. Há outras cátedras que não
têm graduação. Esta é uma cátedra
que dá aula para graduação, tenho 5
assistentes-monitores que trabalham comigo conforme o semestre, temos
mestrado, doutorado e pós. Ela está inserida, é
vertical, não é como a cátedra Sérgio
Buarque da École, ou a cátedra em Oxford com o Betel ou
a cátedra em Georgetown, ou a cátedra Oliveira Lima, ou
a cátedra Rio Branco na Califórnia, que na realidade é
um posto de professor convidado onde o sujeito vem, nem tem direito
de dirigir tese, não tem graduação, não
tem coisa nenhuma. Aqui não, eu voto para a admissão
dos colegas que vão entrar. Então é essa a
diferença. A cátedra existindo, eu devia apresentar-me
para o concurso. Fiquei um ano inteiro sendo examinado pelos colegas,
que me convidaram para fazer vários seminários e para
conversar. Quando veio o concurso, saiu no diário oficial que
a cátedra se chamava História do Brasil. Havia ainda
uma outra possibilidade: Cátedra com “Amérique
Latine, spécialisation dans le Brésil”, o que
também é diferente. Mas afinal foi só História
do Brasil, havia outros candidatos, mas enfim passei.
PP - Então
foi importante esse momento transitório, em que você
esteve na Sorbonne (como professor associado), para que a cátedra
de História do Brasil também pudesse se afirmar no
edital.
PA- Houve também
outra coisa, isso é preciso dizer porque é uma
lição. Eu tinha passado na livre docência na
Unicamp, tinha feito concurso para adjunto e ninguém anunciava
concurso para que eu pudesse tornar-me titular. Acho que pesou o fato
de não ter feito doutorado lá ou não ser do
circuito local. Aí acabaram-se as possibilidades, fecharam-se
os horizontes. Foi por isso também que fui em frente
aqui.
PP - Você
participa de congressos, de seminários, está a par
das discussões no Brasil, atualmente?
PA - Esforço-me
para estar, inclusive porque há essa questão de
intercâmbio. Recebo gente que vem fazer pós-doc aqui,
para a equivalência de diploma preciso saber o que as pessoas
estão fazendo. Por exemplo, fui há dois anos na
Unisinos, que não conhecia e fiquei muito bem impressionado
com os colegas, o nível das pesquisas e a seriedade. É
umas das raras universidade privadas no Brasil de primeiro nível
em História. Não conheço muitas, mas sei que
esta é certamente uma referência. Agora vou para
Florianópolis, Santa Catarina, ver a Universidade de lá.
Estou fazendo um convênio entre a Sorbonne e a Usp. Esforço-me
para ir nessses debates e colóquios todos, também há
um grupo misto português e brasileiro que discute história
do Brasil. Também estou numa situação
privilegiada porque venho da Sorbonne. Há um certo
exclusivismo de gente que discute, até um certo ponto
compreensível, mas o hábito da discussão
científica e da confrontação científica
dentro das regras acadêmicas que existia antes no Brasil é
um ponto importante. Havia um debate até violento, fora das
regras. Hoje, é muito complicado isso no Brasil. As pessoas
levam a mal. É difícil achar uma resenha crítica.
Quanto à história da África, houve um atraso e a
culpa é da geração anterior à minha, que
não iniciou pesquisa sobre a África portuguesa, visto
que os portugueses davam os livros - isso na época do Salazar.
A agência geral do Ultramar mandava os livros de graça
para a Universidade do Rio. E no Rio o Gabinete Português de
Leitura tem depósito legal de todos os livros que vem de
Portugal. De modo que o Gabinete Português de Leitura é
uma biblioteca tão boa, ou quase tão boa como uma
biblioteca portuguesa. É umas das melhores. Todo livro que é
impresso em Portugal, desde que o Gabinete Português de leitura
foi fundado, tem que ter um exemplar lá. Ora, muitíssimo
pouca gente sabe disso. A língua portuguesa é ligada à
história do Brasil, Angola, Moçambique e Guiné.
Havia muito poucas teses sobre isso.
PP - Gostaria que você
falasse agora dos seus projetos.
PA - Agora na realidade
estou trabalhando o século XIX, quero fazer a continuação
do meu livro, que vai até o século XVIII, mas
onde já tinha avançado uma problemática sobre o
século XIX, que se encontra nesse livro sobre a História
da Vida Privada, no segundo volume. Devo publicar um artigo grande
nos Annales que é uma síntese desse período e
conto ficar trabalhando esse tema por mais uns dois anos. Depois
queria fazer uma continuação até 1950.
PP - Você
recebe estudantes a partir de uma triagem temática ou
orienta de maneira geral?
PA- Há vários
casos: quando se trata de mestrado e doutorado e está
trabalhando comigo, tem que ser um assunto com o qual lido, mas
quando é para pós-doc, há gente que vem do
Brasil e na realidade quer seguir o seminário com outros
colegas, e eu simplesmente sirvo de apoio aqui. Nunca mexi com
América latina, exceto Argentina, Uruguai e Paraguai. Só
tenho teses falando da atualidade du Brasil, história
contemporânea, gente que está estudando a cidade São
Paulo, porque no Cebrap tive que trabalhar muito com coisas da
atualidade, o que me deu uma certa familiaridade com esses assuntos,
tenho dirigido teses sobre o problema urbano de São Paulo. Uma
moça está fazendo mestrado sobre a Tríplice
fronteira no Paraguai e na Argentina. Há também
quem trabalhe sobre a escravidão nas Antilhas fazendo tese
comigo, Guadalupe, Martinica e a Guiana francesa e quem trabalhe
sobre a África também, dois trabalham sobre Angola e
outro sobre o Congo.
PP - Seu projeto
com a Usp é dentro do mesmo tema?
PA - Não, o projeto
da Usp é mais amplo, um convênio geral que pode se abrir
para vários outros contratos bilaterais mais precisos, mas
isso facilita a equivalência de diplomas, o que é uma
coisa complicada, na Usp e aqui. Facilita o intercâmbio de
professores e de alunos, claro.
Aqui tenho
também um centro de estudos do Brasil e do Atlântico Sul
que antes se chamava centro de estudos do Brasil e mudei para Brasil
e Atlântico Sul, justamente para incorporar mais gente de
outras áreas, da África e também do Prata. Tenho
estado envolvido em grupos que trabalham sobre história
Atlântica aqui e na Alemanha, na Inglaterra, nos EUA, no
Brasil e em Portugal. Temos um convênio com Erasmus,
dentro desse programa europeu, com a Universidade Nova de Lisboa e
vou fazer um outro com a Universidade dos Açores, talvez lá
consiga fazer uma ligação com Santa Catarina
também, porque estavam interessados nisso.
PP - E sobre as
revistas das quais você participa?
PA- Participo de longe da
revista do Cebrap e ainda da Revista Penélope, que é
uma revista de história de Portugal e sigo um pouco das
instruções da revista de História Marítima,
do nosso departamento.
(Entrevista realizada em
14/04/2005, por Cibele Barbosa e Eliana Bueno-Ribeiro; colaboração
à edição de Eva Landa)
[1]
O Professor Luiz Felipe de Alencastro,
depois de um longo percurso universitário no Brasil,
tornou-se, desde 2001, titular da cátedra de História
do Brasil da Universidade Paris IV, Sorbonne, onde é também
diretor do Centre d’Etudes sur le Brésil. Autor,
entre outros escritos, de História da Vida Privada no
Brasil (Companhia das Letras) e O Trato dos Viventes,
Formação do Brasil no Atlântico Sul
(Companhia das Letras, 2000).
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