Passages de Paris

  Revue Scientifique de l'Association des Chercheurs et Etudiants Brésiliens en France

Numéro 1—2005
ISSN 1773-0341


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Entrevista com o Professor Luiz Felipe de Alencastro.[1]

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Passages de Paris - Professsor Alencastro, gostaríamos de saber um pouco sobre sua trajetória intelectual, sua vinda para a França, qual o seu percurso, quais os obstáculos que encontrou, no contexto em que estava inserido no final dos anos sessenta.

Professor Alencastro - Bom, nem sei se isso serve muito como exemplo, porque é um caso meio à parte: estava na  Universidade de Brasília, quando houve o golpe e fui ajudado... o De Gaulle esteve lá, em 65 e fui ajudado por gente que tinha ocupado postos importantes no governo do Jango. Ninguém sabia que a ditadura iria durar tanto tempo; quando começou em 64, todo mundo achava que o Juscelino iria ser candidato no ano seguinte, ganharia  a eleição e todo mundo voltaria dois anos depois; acho que até o Jango pensava isso. Em todo caso, os franceses deviam pensar isso também, porque trataram muito bem o Hermes Lima, o Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva; essas três pessoas, que eram ministros do Supremo e ainda estavam em atividade - mas tinham sido ministros do governo Jango – conseguiram para mim uma bolsa que raríssimas vezes é concedida no Brasil: uma bolsa francesa para fazer graduação aqui, porque eu não podia continuar lá. E vim para cá. Cheguei em Paris e fui recebido pelo pessoal do Jango, que também tinha se exilado, fui para a casa de Raul Ryff, que era secretário de imprensa do Jango. Eu podia ficar aqui ou ir para outro Instituto de Estudos Políticos, em Bordeaux, Grenoble ou Aix. Disseram-me que em Aix havia a melhor faculdade de História - porque eu queria fazer história também. Então fui para lá e fiquei durante 4 anos, estudando história e ciência política.

PP - Qual era sua implicação no movimento, para que você tivesse tido esse relevo?

PA - Bom, primeiro havia muito poucos estudantes na Universidade de Brasília, que estava começando, o ano em que prestei vestibular foi 64. Pela primeira vez os novos alunos eram mais numerosos do que os que já estavam, porque antes só tinha havido um ano, ou dois, não sei mais... Eu era primeiro secretário da federação de estudantes, então estava envolvido lá na estação estudantil e conheci estas pessoas assim, o Brasil era muito pequeno, nessa época.

PP - Quais foram os obstáculos? Durante uma palestra, você contou como Celso Furtado havia ajudado os estudantes e quais seriam suas palavras para aqueles que chegavam na França. Fale um pouco do seu exemplo, que dificuldades teve, se  teve alguma para levar adiante seus estudos, a questão da língua...

PA - Era uma situação diferente, as pessoas precisavam ser ajudadas, havia gente que chegava aqui saindo da cadeia, outros que não tinham passaporte, então não é possível comparar. Existia uma rede então, com muito mais abertura, muito mais simpatia; ninguém vinha para cá porque estava querendo se dar bem ou achando que ia ganhar mais dinheiro quando chegasse no Brasil, ou procurando um “bico”. Todo mundo vinha para cá porque havia uma ditadura que estava torturando e matando, enfim, era o caso da maioria das pessoas e estas tinham uma espécie de circuito próprio. Vinha também um outro tipo de gente, mas esses não estavam a fim de estudar ou estar em faculdade, era gente que estava também escapando do sufoco do Brasil, mas para passar um tempo longe daquilo. Então o Celso Furtado, justamente, sempre foi acolhedor. As pessoas chegavam aqui no aeroporto, alguns não tinham nenhum nome no bolso, a polícia francesa perguntava: Mas você vem fazer o quê aqui? Você tem um visto turístico? Vai para onde? E diziam: vou estudar com Celso Furtado. Era o que eles tinham na cachola, aí telefonavam para o Celso Furtado e o Celso Furtado dizia que sim, sem conhecer a pessoa, porque já sabia que esta viria, ou  porque alguém tinha dito, era um mot de passe. Era uma situação muito particular, em que você podia ver as pessoas, era mais acessível, podia pedir um encontro com os grandes professores, era uma situação diferente da de hoje. Acho que havia seminários de estudo paralelamente aos da universidade. O próprio governo francês contava com mais simpatia da direita ou da esquerda, até o Pompidou era uma coisa muito mais à direita. Mas o de Gaulle não. Tive bolsa da França durante três anos e mais três para fazer o doutorado, ao todo seis anos de bolsa francesa.

PP -  Quer dizer, você chegou aqui e entrou na faculdade em sessenta e...?

PA - Seis.

PP - Você chegou e entrou em sessenta e seis?

PA - Sim, tinha feito vestibular em Brasília em sessenta e quatro.

PP - Quer dizer, você estava no segundo ano da faculdade.

PA - Sim, mas também não estava nada, porque fazia aquela confusão, vivia me escondendo da polícia, algumas vezes me levavam para interrogar...

PP Você chegou a ser preso?

PA - Enfim, era uma época em que não éramos torturados, eu nunca fui torturado. Estava havendo tortura naquela época em Pernambuco, um militar cujo nome esqueci, um coronel...Tinha um bandido lá que estava torturando as pessoas. Em sessenta e quatro, sessenta e cinco, quem fugiu, fugiu... Gregório Bezerra, claro, essas lideranças mais complicadas. Mas  estudante não, isso foi depois ...

PP - Você chegou aqui em sessenta e seis e recomeçou tudo...

PA - Recomecei tudo. Como você sabe, em ciência política há  o exame eliminatório já no primeiro ano; foi muito complicado, porque havia uma dissertação de quatro horas, um grande exame escrito, um grande exame oral; eu tinha que fazer uma redação francesa, porque é um exame que recruta para a administração pública e no fim do curso você tem uma equivalência de mestrado, pode passar direto para doutorado, em Science Po. Enfim, trabalhei duro no começo, mas o ambiente em Aix-en-Provence era muito agradável, o pessoal era muito fraternal.

PP - Quando começou o seu interesse pela pesquisa sobre o Brasil e Angola, somente no doutorado ou já tinha antes um certo interesse pelo tema?

PA - Já tinha feito uma monografia para Science Po, sobre o Império... cheguei a conhecer aqui o Caio Prado, que tinha saído da cadeia, conversei com o Celso, com o Roberto Schwartz, que é um grande amigo meu, conversava muito, então comecei a fazer o doutorado sobre o fim do tráfico; depois vi que isso era mais complicado e fui voltando para trás. O livro O Trato dos Viventes corresponde na realidade à minha tese de livre docência na Unicamp. Minha tese de doutorado é mais extensa, vai de 1550 a 1850, o que aliás estou retomando agora.

PP - Queria que nos falasse da sua preparação, digamos, quase inconsciente para vir para a França. Você falava francês, ou não?

PA - Falava, foi o que me deu chances na seleção, no dossiê que foi preparado: além da carta de apoio dessas pessoas importantes, havia o fato de eu poder entrar em aula imediatamente. Falava, porque aprendi na Aliança Francesa.

PP - No Brasil?

PA - No Brasil.

PP - Motivado pelo quê?

PA - Eu achava que tinha que aprender, era coisa de família, havia também os amigos.

Meu pai tinha estudado livros de medicina em francês porque na sua época era assim... havia um livro lá em casa.

PP - Um ambiente familiar que favorecia.

PA - Isso, isso. Fiz o clássico, também havia esse ambiente, eram professores bons no colégio lá em Brasília.

PP - Você é de Brasília?

PA -Não nasci em Brasília, mas em Santa Catarina; a família mudou para Brasília no início dos anos sessenta.

PP - Você é da primeira geração de Brasília.

PA - Sou... Não bem de Brasília, isso é quem nasceu lá.

PP - Mas enfim, você acompanhou, não há diferença...

PA- Isso. Havia o Daniel Aarão Reis, que era meu colega.

PP - Com relação aos passaportes, era diferente? Hoje, por exemplo, você não sai do aeroporto do Galeão sem uma carta de séjour, sem um visto. Como era naquela época?

PA - Naquela época foi o seguinte: a partir do momento em que tive a bolsa daqui, tudo entrou nos eixos. Recebi a bolsa lá. Senão, nem teria viajado. Para mim, a questão era sair de lá, porque a situação estava ficando feia. Em sessenta e seis, já estavam cercando meus amigos. Um deles foi morto mais tarde, estava na chapa comigo, o Paulo deTarso Celestino e o outro, presidente, o Honestino Guimarães, também foi morto. Quer dizer, só ali no grupo próximo de mim mataram dois e houve outros que desapareceram. Quando chegou o momento de renovar o passaporte, que era válido por dois anos, já me avisaram para não tentar em Paris, nem em Marselha, porque seria recusado. Gente que eu conhecia, da embaixada, o Merquior, que na época era mais próximo, além de outras pessoas, deram-me esse sinal. Disseram-me também para ir a Milão, que havia lá um sujeito mais  flexível; peguei uma carona em Aix e fui renovar em Milão, o sujeito estava me esperando porque eu o avisara e aí renovaram. Mas isso depois também foi ficando mais difícil, quando devia renovar em setenta já não consegui. Disseram que estavam faltando documentos, serviço militar, davam um visto de 24 horas para eu voltar ao Brasil. A gente até chamava esse visto de “`vai e fica”. O pessoal  me disse “nem pensar”. Fiquei dois anos sem passaporte e de repente, o senador Teotônio Vilela, que na época ainda era da ARENA, o velho Lele, escreveu. De repente, dois anos depois, deram-me o visto. Mas nessa época, para trabalhar no Quai d’Orsay, no arquivo, era preciso uma carta do adido cultural brasileiro.

PP - Para fazer pesquisa no Quai d’Orsay...

PA - No Quai d’Orsay o estatuto era diferente. Agora mudou. Basta uma carta do diretor de tese. Na época, isso não era suficiente. Era praxe diplomática, uma espécie de favor que você fazia, uma gentileza para com o país, pedir também uma carta ao adido cultural (que não me deu!)

PP- Mas, por falar em gente - Graciliano dizia que não ia nomear os maus, só nomear os bons - queria que voltasse a falar do Merquior. Nessa época, era uma pessoa muito criticada.

PA - Nessa época ele via muito as pessoas, via o Roberto Schwartz, o Leandro Konder, que estava exilado na Alemanha, sempre continuou próximo de todos esses. Mas convidou-me uma vez em sua casa, estava lá um adido militar – facistão - no jantar, falando besteiras; eu disse: não vou mais na sua casa para ver esse tipo de gente.

PP - Mas ele tinha atitudes de ajuda...

PA - No começo, quando chegou; inclusive, como já disse, ninguém achava que a ditadura fosse durar vinte anos; a situação entortou a partir de 69. Quando veio o AI-5, também nem achamos que fosse acabar em 85 e por isso todo mundo foi ficando. Todos acharam que ia durar mais 30, 40 anos. Que seria como com Franco e Salazar; o que havia como exemplo do nosso lado é que o ditador ficava até morrer. No Brasil era pior, porque os ditadores iam mudando.

PP - E como foi a volta?

PA - Formei-me aqui, dei aula . Também fiz um mestrado de etnologia em Nanterre, mas não cheguei a defender a tese. Havia muita gente simpática. Comecei a dar aula sem ter doutorado, como chargé de cours, por causa do diploma de ciência política, que dava um certo status, mesmo sendo de Aix-en-Provence - o que tem prestígio mesmo é o de Paris - mas enfim, tinha equivalência nacional. Dei aula em Vincennes e Rouen como chargé de cours. Quando nasceu meu filho, em 84, fui aconselhado pelo pessoal que voltara para Portugal e Espanha e tivera problemas com filho adolescente : “Se quiser voltar, volte agora!” Tinha sido convidado já em 81 para voltar. Não voltei, pois queria ver o governo Mitterrand aqui, a esquerda tinha ganho a eleição. Disseram-me: “Volte enquanto ele é pequeno, sua esposa já não é de lá ( minha esposa é Belga e foi criada na França), você vai ter trabalho para adaptar-se com os dois”; havia até uma história trágica de um colega nosso, um exilado que voltou e o filho suicidou-se. Ficamos muito traumatizados, era uma pessoa muita amiga. Enfim, esse tipo de coisas. Só se viam problemas dos adolescentes que chegavam lá e o país era diferente.

PP - Mas, por vontade própria, você tinha a idéia de voltar para o Brasil, trabalhar no Brasil?

PA - Tinha, inclusive porque aqui se esvaziou, o Celso Furtado tinha voltado, o Roberto Schwartz, a quem eu era muito ligado, voltou, e não havia mais ambiente. No nosso ambiente seguia-se a política brasileira, fazia sentido ficar, porque às vezes se estava mais informado aqui do que o pessoal lá, por causa da ditadura. O próprio Fernando Henrique veio aqui uma vez, ficou na casa do Celso, passei um dia inteiro com ele, porque só ia viajar à noite. Ele estava sozinho, eu tinha vindo procurar o Celso e saímos. Disse-me para voltar. Então voltei, fui para a Unicamp, o Cebrap.

PP - Isso foi quando?

PA - 86.

PP - De 86 a 2000?

PA -  Até 1999.

PP - Nesse período, você continuou estabelecendo contato com professores e instituições francesas?

PA - Pouco, na realidade estive nos Estados Unidos, em Harvard duas vezes e também Nova York, porque no fundo o pessoal aqui não é muito ligado à questão da escravidão, então comecei a discutir mais com os americanos. Mas quando fiz a tese de livre docência, em 94 e precisava parar para transformar a tese em livro, vim a Paris, porque aqui estava mais à vontade, conhecia as bibliotecas e precisava do material. Fiquei de dezembro de 94 a junho de 95, com licença da Unicamp para acabar o livro. Ainda continuei trabalhando lá.

PP - Então você veio fazer o pós-doutorado aqui.

PA - Sim, em Paris IV.

PP - E isso foi importante para restabelecer o contato com as instituições, não mais no sentido da biblioteca, dos arquivos, mas em termos de estar mais próximo daqueles que estudavam o tema aqui.

PA -Um pouco, mas não tinha a intenção de vir para cá. Voltei para lá. Nesse meio tempo me separei, a minha mulher ficou com meu filho em Portugal e eu no Brasil. Era totalmente complicado, rapidamente ficou inviável por causa da desvalorização do Real, estava nesse vai-e-vem horrível, exaustivo e ruinoso. Escreveram-me dizendo que havia aqui um posto de professor associado. No concurso para sucessão da Kátia Mattoso, os candidatos que se apresentaram foram reprovados. A cátedra que era dela ficou vazia e precisavam de alguém para  dar aula na rentrée, já em setembro-outubro de 99, porque havia mestrados  para assinar e doutorados; o maître de conférences dela não podia dar aula nem orientar, pelo sistema daqui. Então fizeram um pequeno concurso, para professor associado por um ano. Chamaram outras pessoas do Brasil que poderiam dar aula aqui, pegaram o “peão na unha”. Quer dizer, alguém que pudesse chegar já dando aula, que conhecesse o sistema francês, porque uma pessoa que nunca tivesse dado aula aqui, mesmo sendo bom professor lá, ou muito conhecido, causaria problema, era preciso dar aulas de cours magistral, em anfiteatro, e também seminários. Fui escolhido dentre os que se apresentaram para esse pequeno concurso. Porque tinha feito a tese aqui com Fréderic Mauro, que tinha e ainda tem muito prestígio na Sorbonne e porque o assunto lhes interessava, o enfoque na história africana e o acesso - que eles não tem - à África lusófona, e também pelo fato de saberem que sou praticamente bilíngue.

PP - Por que você fala de “pequeno concurso”? Foi um concurso...

PA - Foi um concurso, mas não igual ao concurso para a cátedra. Este é muito mais severo.  Aparece um edital no Diário Oficial, no mês de março, é preciso ter uma habilitação do CNU (Conselho Nacional Universitário), enquanto o professor convidado pode até ser escolhido pela comissão científica ou pelo conselho científico da universidade. Não é preciso concurso.  Mas você é pessoa convidada, escolhem um dossiê por um ano, podendo ser renovado por até três. Escolhe-se alguém por um ano porque o que faz é interessante, depois vai embora. Só que, quando cheguei, não sabiam se a cátedra iria de novo ser posta em concurso, porque no meio o  ministério poderia decidir: já que não houve candidato no nível para ter a cátedra, esta passa a ser história da América Latina, que era o que todo mundo queria, porque então haveria um candidato em cada esquina, todos especialistas em América hispânica e o Brasil ficava no meio. O Fernando Henrique soube, pelo embaixador, que a cátedra podia desaparecer e escreveu para o presidente da Universidade, dizendo que ela tinha sido criada com intenção política, como símbolo de amizade entre o Brasil e a França e que contava com o fato de que que ela continuaria existindo. Não deram um tostão... Podiam ajudar  um pouco, basta dizer que é uma cátedra inteiramente francesa, não recebo um centavo para comprar livro nem nada do Brasil. Há outras cátedras que não têm graduação. Esta é uma cátedra que dá aula para graduação, tenho 5 assistentes-monitores que trabalham comigo conforme o semestre, temos mestrado, doutorado e pós. Ela está inserida, é vertical, não é como a cátedra Sérgio Buarque da École, ou a cátedra em Oxford com o Betel ou a cátedra em Georgetown, ou a cátedra Oliveira Lima, ou a cátedra Rio Branco na Califórnia, que na realidade é um posto de professor convidado onde o sujeito vem, nem tem direito de dirigir tese, não tem graduação, não tem coisa nenhuma. Aqui não, eu voto para a admissão dos colegas que vão entrar. Então é essa a diferença. A cátedra existindo, eu devia apresentar-me para o concurso. Fiquei um ano inteiro sendo examinado pelos colegas, que me convidaram para fazer vários seminários e para conversar. Quando veio o concurso, saiu no diário oficial que a cátedra se chamava História do Brasil. Havia ainda uma outra possibilidade: Cátedra com “Amérique Latine, spécialisation dans le Brésil”, o que também é diferente. Mas afinal foi só História do Brasil, havia outros candidatos, mas enfim passei.

PP - Então foi importante esse momento transitório, em que você esteve na Sorbonne (como professor associado), para que a cátedra de História do Brasil também pudesse se afirmar no edital.

PA- Houve também outra coisa, isso é  preciso dizer porque é uma lição. Eu tinha passado na livre docência na Unicamp, tinha feito concurso para adjunto e ninguém anunciava concurso para que eu pudesse tornar-me titular. Acho que pesou o fato de não ter feito doutorado lá ou não ser do circuito local. Aí acabaram-se as possibilidades, fecharam-se os horizontes. Foi por isso também  que fui em frente aqui.

PP - Você participa de congressos, de seminários, está a par das discussões no Brasil, atualmente?

PA - Esforço-me para estar, inclusive porque  há essa questão de intercâmbio. Recebo gente que vem fazer pós-doc aqui, para a equivalência de diploma preciso saber o que as pessoas estão fazendo. Por exemplo, fui há dois anos na Unisinos, que não conhecia e fiquei muito bem impressionado com os colegas, o nível das pesquisas e a seriedade. É umas das raras universidade privadas no Brasil de primeiro nível em História. Não conheço muitas, mas sei que esta é certamente uma referência. Agora vou para Florianópolis, Santa Catarina, ver a Universidade de lá. Estou fazendo um convênio entre a Sorbonne e a Usp. Esforço-me para ir nessses debates e colóquios todos, também há um grupo misto português e brasileiro que discute história do Brasil. Também estou numa situação privilegiada porque venho da Sorbonne. Há um certo exclusivismo de gente que discute, até um certo ponto compreensível, mas o hábito da discussão científica e da confrontação científica dentro das regras acadêmicas que existia antes no Brasil é um ponto importante. Havia um debate até violento, fora das regras. Hoje, é muito complicado isso no Brasil. As pessoas levam a mal. É difícil achar uma resenha crítica. Quanto à história da África, houve um atraso e a culpa é da geração anterior à minha, que não iniciou pesquisa sobre a África portuguesa, visto que os portugueses davam os livros - isso na época do Salazar. A agência geral do Ultramar mandava os livros de graça para a Universidade do Rio. E no Rio o Gabinete Português de Leitura tem depósito legal de todos os livros que vem de Portugal. De modo que o Gabinete Português de Leitura é uma biblioteca tão boa, ou quase tão boa como uma biblioteca portuguesa. É umas das melhores. Todo livro que é impresso em Portugal, desde que o Gabinete Português de leitura foi fundado, tem que ter um exemplar lá. Ora, muitíssimo pouca gente sabe disso. A língua portuguesa é ligada à história do Brasil, Angola, Moçambique e Guiné. Havia muito poucas teses sobre isso.

PP - Gostaria que você falasse agora dos seus projetos.

PA - Agora na realidade estou trabalhando o século XIX, quero fazer a continuação do meu  livro, que vai até o século XVIII, mas onde já tinha avançado uma problemática sobre o  século XIX, que se encontra nesse livro sobre a História da Vida Privada, no segundo volume. Devo publicar um artigo grande nos Annales que é uma síntese desse período e conto ficar trabalhando esse tema por mais uns dois anos. Depois queria fazer uma continuação até 1950.

PP - Você recebe estudantes a partir de uma triagem temática ou orienta de maneira geral?

PA- Há vários casos: quando se trata de mestrado e doutorado e está trabalhando comigo, tem que ser um assunto com o qual lido, mas quando é para pós-doc, há gente que vem do Brasil e na realidade quer seguir o seminário com outros colegas, e eu simplesmente sirvo de apoio aqui. Nunca mexi com América latina, exceto Argentina, Uruguai e Paraguai. Só tenho teses falando da atualidade du Brasil, história contemporânea, gente que está estudando a cidade São Paulo, porque no Cebrap tive que trabalhar muito com coisas da atualidade, o que me deu uma certa familiaridade com esses assuntos, tenho dirigido teses sobre o problema urbano de São Paulo. Uma moça está fazendo mestrado sobre a Tríplice fronteira no Paraguai e na  Argentina. Há também quem trabalhe sobre a escravidão nas Antilhas fazendo tese comigo, Guadalupe, Martinica e a Guiana francesa e quem trabalhe sobre a África também, dois trabalham sobre Angola e outro sobre o Congo.

PP - Seu projeto com a Usp é dentro do mesmo tema?

PA - Não, o projeto da Usp é mais amplo, um convênio geral que pode se abrir para vários outros contratos bilaterais mais precisos, mas isso facilita a equivalência de diplomas, o que é uma coisa complicada, na Usp e aqui. Facilita o intercâmbio de professores e de alunos, claro.

Aqui tenho também um centro de estudos do Brasil e do Atlântico Sul que antes se chamava centro de estudos do Brasil e mudei para Brasil e Atlântico Sul, justamente para incorporar mais gente de outras áreas, da África e também do Prata. Tenho estado envolvido em grupos que trabalham sobre história Atlântica aqui e na Alemanha, na Inglaterra, nos EUA, no Brasil  e em Portugal. Temos um convênio com Erasmus, dentro desse programa europeu, com a Universidade Nova de Lisboa e vou fazer um outro com a Universidade dos Açores, talvez lá consiga fazer uma ligação com  Santa Catarina também, porque estavam interessados nisso.

PP - E sobre as revistas das quais você participa?

PA- Participo de longe da revista do Cebrap e ainda da Revista Penélope, que é uma revista de história de Portugal e sigo um pouco das instruções da revista de História Marítima, do nosso departamento.

 

(Entrevista realizada em 14/04/2005, por Cibele Barbosa e Eliana Bueno-Ribeiro; colaboração à edição de Eva Landa) 




[1] O Professor Luiz Felipe de Alencastro, depois de um longo percurso universitário no Brasil, tornou-se, desde 2001, titular da cátedra de História do Brasil da Universidade Paris IV, Sorbonne, onde é também diretor do Centre d’Etudes sur le Brésil. Autor, entre outros escritos, de História da Vida Privada no Brasil (Companhia das Letras) e O Trato dos Viventes, Formação do Brasil no Atlântico Sul (Companhia das Letras, 2000).